terça-feira, 17 de junho de 2008

A literatura e o grito

Discutíamos na nossa última reunião que os grandes escritores crescem muitas vezes no seio de familias disfuncionais, em ambientes conturbados. A este propósito, a a.c. lembrou-se de um trecho de António Lobo Antunes, onde diz precisamente isso:

“A inutilidade da comunicação cada vez me parece mais evidente. E depois penso muitas vezes se o Beckett não estará no bom caminho, o do silêncio total, desabitado, nu. Entretanto lá vou tentando escrever por ressentimento. A psicanálise explicaria: pai tirânico, meio familiar sufocante, uma horrível necessidade de afirmação e de afecto, etc. As simplificações deste tipo são extremamente cruéis porque são só parcialmente verdadeiras. Mas são, de facto: era impossível, por exemplo, nascer um artista dos teus pais – e não há aqui nada de pejorativo: é um ambiente demasiado normal, e portanto, nada estimulante. Mas é fatal que de uma família tão ibseniana como a minha só poderiam sair gritos em todos os sentidos. E depois o meu pai armou-nos carris de um grito mais ou menos artístico…”

António Lobo Antunes (Org.: Maria José Lobo Antunes, Joana Lobo Antunes)
D’este viver aqui neste papel descripto: Cartas da guerra, Lisboa: Dom Quixote, 2005, pp. 236-7.

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