Não que eu acredite em Deus. Um escritor nunca acredita em Deus. Não pode. Como poderia? Um escritor que acreditasse em Deus estava tramado. Não conseguiria ser escritor. A fabricação alquímica de um romance pede um misto de crença e descrença. Crença na nossa capacidade de reescrever o mundo; descrença na capacidade do mundo de ficar melhor do que o que era.
E o mundo é um borrão! O mundo é o maior dos falhanços! Deus, se alguma vez existiu, limitou-se a fazer um esboço - e a deixar que esse esboço fosse impresso sem sequer ter tempo de o rever, tempo de apagar as excrecências, tempo de corrigir as vírgulas, tempo de encontrar novas formas - verbais ou nominais - de dizer a palavra mundo! Não, um escritor não pode confiar em Deus. Um escritor que acreditasse - ou confiasse - em Deus estaria pior que tramado. Estaria fodido.
Rui Zink, "O jogo literário" in AAVV. O Prazer da Leitura, Lisboa: Fnac / Teorema, 2008, p. 206.
quarta-feira, 4 de junho de 2008
Deus e a Literatura
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