segunda-feira, 16 de julho de 2007

Eu fui!


Carmina Burana


Cantiones profanæ cantoribus et choris cantandæ comitantibus instrumentis atque imaginibus magicis


“Carmina Burana” é uma expressão em latim e significa “Canções de (Benedikt)beuern”. Durante a secularização de 1803, um volume de cerca de 200 poemas e canções medievais foi encontrado na abadia de Benediktbeuern, na Baviera superior. Eram poemas dos monges e eruditos errantes — os goliardos —, em latim medieval; versos no médio alto alemão vernacular, e vestígios de frâncico. O doutor bavariano em dialetos, Johann Andreas Schmeller, publicou a colecção em 1847 sob o título de “Carmina Burana”. Carl Orff, descendente de uma antiga família de eruditos e soldados de Munique, cedo ainda deparou-se com esse códex de poesia medieval. Ele arranjou alguns dos poemas em “canções seculares (não-religiosas) para solistas e coros, acompanhados de instrumentos e imagens mágicas”.
Esta cantata é emoldurada por um símbolo da Antiguidade — o conceito da roda da fortuna, eternamente girando, trazendo alternadamente boa e má sorte. É uma parábola da vida humana exposta a constante mudança. E assim o apelo em coral à Deusa da Fortuna (“O Fortuna, velut luna”) tanto introduz quanto conclui a obra, que se divide em três secções: O encontro do Homem com a Natureza, particularmente com a Natureza despertando na Primavera (“Veris leta facies”), o seu encontro com os dons da Natureza, culminando com o dom do vinho (“In taberna”); e o seu encontro com o Amor (“Amor volat undique”).


A 14, 15 e 16 de Julho, Günter Neuhold, que dirigiu a Orquestra Sinfónica Portuguesa no concerto comemorativo dos 60 anos da UNESCO em Paris (13 de Outubro de 2006), regressa para dirigir os Carmina Burana (cânticos profanos), no Teatro das Figuras em Faro. Esta cantata de Carl Orff, uma das mais conhecidas páginas do repertório de concerto, conta com a interpretação da soprano Raquel Alão (linda e com uma voz divina), do tenor Carlos Guilherme (uhmm, pois... não, decididamente não gostei) e do jovem barítono Leonardo Neiva (fantástico!). Destaque-se igualmente a participação da Orquestra Sinfónica Portuguesa, do Coro do Teatro Nacional de São Carlos e dos Pequenos Cantores de Ossónoba (que bem que se portaram!).


Ainda hoje no Teatro das Figuras, em Faro, recomenda-se vivamente.


domingo, 8 de julho de 2007

Livros e cães


Na senda dos posts sobre livros, aqui fica a famosa máxima de Grouxo Marx:

"Outside of a dog, a book is a man's best friend. Inside of a dog... It's too dark to read."

Groucho Marx

sábado, 7 de julho de 2007

Thomas Bernhard: Uma arte do exagero

Saiu no Expresso um interessante artigo sobre a nossa actual leitura. Transcrevo-o de seguida:

Uma arte do exagero

Em «Extinção», Thomas Bernhard oferece-nos o relato frio e inclemente de uma derrocada .

Embora tenha sido o último e mais longo romance publicado por Thomas Bernhard, Extinção (1986) foi provavelmente escrito no início da década de 80 (veja-se, a esse respeito, a excelente nota introdutória de José A. Palma Caetano). Assim, e para referir apenas obras traduzidas para português, tratar-se-á de um livro anterior, em tempo de escrita, a O Náufrago ou a Antigos Mestres, o que talvez justifique o facto de ficar aquém do contundente equilíbrio estrutural de qualquer dos títulos referidos. É como se estivéssemos perante uma sinfonia que, embora admirável, tivesse mais andamentos do que os necessários. Por outro lado, é possível argumentar que este livro é talvez o que melhor exemplifica a «arte do exagero» do escritor austríaco, em quem pressentimos facilmente uma voluptuosa intenção de desgastar o leitor, confrontado com um ritmo que tanto lhe pode causar arrebatamento como asfixia.

A «derrocada» é, logo nas primeiras páginas, despoletada pelo telegrama que anuncia a morte dos seus pais e irmão ao narrador, Franz-Josef Murau. Este assume-se não como um «escritor», mas como um «mediador de literatura» (pág. 489) alemã, que tem por aluno Gambetti, o destinatário directo de grande parte das reflexões e memórias que se vão acumulando. A consequência mais imediata e nefasta da notícia recebida por telegrama consiste em obrigar Murau a deslocar-se de Roma - cidade que elegera para sua residência por ver nela «o centro do caos» (pág. 316) - para Wolfsegg, feudo familiar que se transforma para ele num «pesadelo herdado» (pág. 385). Wolfsegg representa, muito concretamente, o reino da ordem, no que esta tem de mais opressivo e totalitário, do mesmo modo que a família se revela, no fundo, um hipócrita sistema de destruição e de tirania: «tive, em suma, de ser aniquilado quase por completo pelos meus pais, para depois, quando já tinha mais de vinte anos e parecia irremediavelmente perdido, vir a ser afinal ainda salvo pelo meu tio Georg» (pág. 43). É a este tio Georg que o protagonista diz ter ficado a dever a sua libertação de Wolfsegg e, concomitantemente, a sua paixão pela arte. Não deixa de ser curioso, para não dizer raro, o reconhecimento, num livro de Bernhard, de que só pela cultura é possível a sobrevivência espiritual: «quem deixa de ampliar os seus conhecimentos e fortalecer o seu carácter, isto é, de trabalhar em si próprio, de fazer de si o máximo possível, deixa de viver» (pág. 75). Note-se ainda que, neste livro, são mais frequentes e inequívocos os elogios feitos a escritores como Tolstoi, Dostoievski, Proust, Flaubert ou Kafka. Dito isto, não nos tranquilizemos excessivamente. Tratando-se de uma obra de Bernhard, não poderiam faltar, além de uma incessante «invectiva contra tudo o que é austríaco» (pág. 101), comentários corrosivos e execuções mais ou menos sumárias. Fiel à sua «arte do exagero», Bernhard não hesita em atribuir ao narrador generalizações demolidoras: «Quando temos diante de nós a literatura alemã, o que temos diante de nós é uma literatura de funcionários pequeno-burguesa» (pág. 483); «Os escritores são todos as pessoas mais repugnantes que existem» (pág. 490).

Este «fanatismo do exagero» (pág. 485) não está, como se terá já tornado claro, isento de contradições, de resto lucidamente assumidas pelo narrador. No que se refere à cultura, tão violentamente atacada em vários dos nomes que nos habituámos a ter por seus representantes máximos, dir-se-ia que ela é, apesar de tudo, um valor. Mais concretamente, um valor em risco face à «avidez do dinheiro e do poder que move os novos bárbaros» (pág. 102). Extinção, numa subtil mas incisiva «mise en abîme», assume-se como um relato necessário, quer enquanto denúncia, quer enquanto exorcismo. No primeiro caso, assistimos a um propósito de dar voz a algumas das vítimas do nazismo: «é meu dever falar deles na Extinção e chamar a atenção para eles, em representação de tantos que não falam dos seus sofrimentos durante o período nacional-socialista» (pág. 366). Quanto ao exorcismo desejado, podemos resumi-lo a uma vontade de, pela escrita, destruir Wolfsegg: «A única coisa que já tenho definitivamente na cabeça (...) é o título, Extinção, pois o meu relato só serve para extinguir o que nele se descreve» (págs. 167-168). Se escrita e aniquilação se tornam sinónimos, não é menos verdade que o poder de sedução ou de repulsa deste livro assenta, afinal, na universalidade do silencioso grito de salvação que chega até nós: «Todos nós arrastamos connosco um Wolfsegg e temos vontade de o extinguir, para nossa salvação, extingui-lo, porque o queremos descrever, queremos destruir» (pág. 168). Dir-se-ia, pois, que o que torna mais escuro o negrume da infância é a suspeita de que aquilo que já não temos nos perseguirá para sempre enquanto Nada: «Nós procuramos por toda a parte a infância e só encontramos por toda a parte o vazio» (pág. 476).

TEXTO DE MANUEL DE FREITAS
in: Expresso, 27-11-2004

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Thomas Bernhard

Mesmo para quem não entende o alemão (e posso garantir que a pronúcia austríaca é quase incompreensível), aqui fica Bernhard a falar sobre a morte, o medo, a literatura.