segunda-feira, 31 de agosto de 2009


Detalhe de Meisje met de parel (Girl With a Pearl Earring), de Johannes Vermeer (1632-1675)
Museum Het Mauritshuis, Den Haag
(um cheirinho de Holanda, trazido pela P. Obrigada!)

A ficção da realidade versus o realismo da ficção

.
No site do José Eduardo Agualusa há uma secção com excertos de entrevistas feitas ao autor sobre As mulheres do meu pai. Vale muito a pena lá dar um salto.

Deixo um "cheirinho", precisamente sobre as confluências entre ficção e realidade, de que falámos na nossa reunião, a propósito desta magnífica obra:

Inicialmente, você pretendia escrever um roteiro para cinema. Como as palavras venceram a imagem?

A partir de certa altura comecei a compreender que tinha material para um romance, e também que a vida de algumas das pessoas que me acompanhavam na viagem, em particular a vida da Karen, era tão interessante quanto as idéias que queríamos desenvolver. Agradou-me a idéia de iludir o leitor, dando-lhe a sensação de estar assistindo à construção do romance. Mas é um fato que entre nós a ficção participa da realidade, interfere com ela, isso é assim mesmo. Só a realidade consegue inventar certos enredos, os enredos mais inverossímeis.

A viagem real (?)

.
.
As fotos seguintes documentam a viagem de Agualusa, Karen e Jordi, da qual se escreve em As mulheres do meu pai. São todas de Jordi Burch, um fotógrafo catalão residente em Lisboa. Curiosamente, e posso estar enganada, mas, pelo menos que eu me tivesse apercebido, Jordi é a única personagem do romance que surge tanto na viagem ficcionada como na viagem real (ou pelo menos na ilusão de viagem real). As fotos emanam aquela mesma espécie de realismo mágico presente no livro.



Namíbia, 2005, Jordi Burch



Namibe, Angola, 2005, Jordi Burch



Lubango, Angola, 2005, Jordi Burch

As fotos foram tiradas do site de José Eduardo Agualusa.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Aqueles tipos nem sequer os podemos considerar como inimigos, são um erro, uma aberração, como uma ave sem asas...
Ri-me:
- Um arco-íris em tons de cinzento.
- Nem mais! Um rouxinol mudo...
- Uma ovelha carnívora...
- Um fadista feliz!
- Um fotógrafo cego!
- Ah, fotógrafos cegos existem realmente! - riu-se. - Conheço um francês de origem eslovena, chamado Evgen Bavcar. Cego dos dois olhos. E é bastante bom...


José Eduardo Agualusa, As mulheres do meu pai



Evgen Bavcar

domingo, 16 de agosto de 2009




Estamos parados junto ao rio Quicombo. Tenho a certeza de que existe uma imagem destes altos paredões de terra num dos quatro albuns do fotógrafo português Cunha e Morais. (...)
As fotografias do Cunha e Morais, recolhidas em Angola na segunda metade do século XIX, ajudaram-me a construir o meu primeiro romance.





José Eduardo Agualusa, As mulheres do meu pai

sábado, 15 de agosto de 2009

Persépolis

Depois do inesquecível O quadro negro, de Samir Makhmalbaf, esta Sexta-feira foi a vez de Persépolis, no ciclo de cinema iraniano com que nos estão a brindar o Cineclube de Faro e o Pátio de Letras, na simpática esplanada daquele espaço. O filme é maravilhoso, lançando um olhar lúcido e corrosivo sobre a vida, seja ela vivida debaixo de guerra, revolução ou repressão extremas em Teherão, seja em Viena ou Paris. Uma pérola!



A não perder também, são os próximos filmes do ciclo:
Dez, de Abbas Kiarostami, dia 21 de Agosto
Gabbeh, de Mohsen Makhmalbaf, dia 28 de Agosto

Sugestões de leitura para Agosto

- Miguel Sousa Tavares, No teu deserto


O novo «Quase Romance» de Miguel Sousa Tavares. Há viagens sem regresso nem repetição. «Éramos donos do que víamos: até onde o olhar alcançava, era tudo nosso. E tínhamos um deserto inteiro para olhar.» «Ali estavas tu, então, tão nova que parecias irreal, tão feliz que era quase impossível de imaginar. Ali estavas tu, exactamente como te tinha conhecido. E o que era extraordinário é que, olhando-te, dei-me conta de que não tinhas mudado nada, nestes vinte anos: como nunca mais te vi, ficaste assim para sempre, com aquela idade, com aquela felicidade, suspensa, eterna, desde o instante em que te apontei a minha Nikon e tu ficaste exposta, sem defesa, sem segredos, sem dissimulação alguma.» «Eu sei que ela se lembra, sei que foi feliz então, como eu fui. Mas deve achar que eu me esqueci, que me fechei no meu silêncio, que me zanguei com o seu último desaparecimento, que vivo amuado com ela, desde então. Não é verdade, Cláudia. Vê como eu me lembro, vê se não foram assim, passo por passo, aqueles quatro dias que demorámos até chegar juntos ao deserto.»

- Eça de Queirós, Cartas inéditas de Fradique Mendes


+


- José Eduardo Agualusa, Nação Crioula








Nação Crioula
conta a história de um amor secreto: a misteriosa ligação entre o aventureiro português Carlos Fradique Mendes – cuja correspondência Eça de Queiroz recolheu – e Ana Olímpia Vaz de Caminha, que, tendo nascido escrava, foi uma das pessoas mais ricas e poderosas de Angola. Nos fins do século XIX, em Luanda, Lisboa, Paris e Rio de Janeiro, misturam-se personalidades históricas do movimento abolicionista, escravo e escravocratas, lutadores de capoeira, pistoleiros a soldo, demiurgos, numa luta mortal por um mundo novo.

- José Eduardo Agualusa, As mulheres do meu pai


Faustino Manso, famoso compositor angolano, deixou, ao morrer, sete viúvas e 18 flhos. A mais nova destes, Laurentina, diretora de cinema e documentarista, tenta reconstruir a atribulada vida do falecido músico.Em As mulheres do meu pai, realidade e ficção correm lado a lado, a primeira alimentando a segunda. Nos territórios que José Eduardo Agualusa atravessa, porém, a realidade é quase sempre mais inverosímil do que a ficção. As quatro personagens do romance que o autor escreve, enquanto viaja, vão com ele de Luanda, capital de Angola, até Benguela e Namibe; cruzam as vastas areias da Namíbia e as suas povoações fantasmas, alcançando, finalmente, a festiva Cidade do Cabo, na África do Sul. Continuam, depois, rumo a Maputo, e de Maputo a Quelimane, junto ao rio dos Bons Sinais; dali até à pequena ilha mágica, onde morreu o poeta Tomás António Gonzaga. Percorrem, nesta deriva, paisagens que fazem fronteira com o sonho e das quais emergem, aqui e ali, os mais estranhos personagens.As mulheres do meu pai é um romance sobre mulheres, música e magia. Anuncia-se, nestas páginas, o renascimento de África, continente afectado por problemas terríveis, mas abençoado pelo talento da música, o sempre renovado vigor das mulheres e o secreto poder de deuses muito antigos.

- Chico Buarque, Leite derramado


Uma saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos.
Mais sobre o livro, aqui. http://www.leitederramado.com.br/wordpress/





- Rui Cardoso Martins, Deixem passar o homem invisível


Durante uma grande enxurrada em Lisboa, um homem – cego desde os 8 anos, advogado – cai numa caixa de esgoto aberta, situada junto da igreja de S. Sebastião da Pedreira. Na mesma altura, um escuteiro que regressava de uma actividade na mesma igreja é também arrastado para o mesmo esgoto. É a viagem de ambos, através de uma Lisboa subterrânea, enquanto cá fora são tomadas todas as medidas para os salvarem, que o autor nos conta neste segundo livro. Mas é também a entreajuda, a cumplicidade entre o cego e a criança, naquela terrível aventura. Pelo meio, as histórias de um ilusionista – Seripe de nome artístico, na realidade Pires ao contrário -, as recordações do homem cego do tempo antes de aquilo acontecer, a história de um camaleão que não acertava com a cor, e tantas outras tornam a leitura deste livro extremamente aliciante.
Rui Cardoso Martins (n. Portalegre, 1967) é escritor, jornalista e argumentista. Repórter internacional e cronista desde a fundação do Público (dois prémios Gazeta de Jornalismo), fundador de Produções Fictícias (co-criador e autor de Contra-Informação e Herman Enciclopédia, entre outros programas). No cinema, é autor do guião de Zona J e co-autor da longa-metragem Duas Mulheres. O seu primeiro romance, E Se Eu Gostasse Muito de Morrer (Dom Quixote, 4ª edição), foi publicado em Espanha e na Hungria. Tem contos editados em diversas revistas literárias (Ficções, Egoísta, Magyar Lettre Internationale).

- Jean Rhys, Vasto mar de sargaços
(já sugerido o mês passado)

- Peter Carey, Roubo: uma história de amor

«Não sei se a minha história tem dimensão suficiente para ser uma tragédia, embora tenha acontecido uma data de merdas. Não há dúvida de que é uma história de amor, mas isso só começou quando essas merdas já iam a meio, e aí já eu tinha ficado não só sem o meu filho de oito anos, como também sem a minha casa e o meu atelier em Sydney, onde noutros tempos tinha sido tão famoso quanto um pintor pode esperar ser na sua própria terra.» Assim começa o novo romance de Peter Carey, uma obra de grande intensidade, impudicamente divertida. Narrada pelas vozes gémeas do artista Butcher Jones e de Hugh, o seu «irmão perturbado de 100 quilos», conta as aventuras e infortúnios de ambos depois de a queda dos preços dos quadros de Butcher e de o seu problema crescente com o álcool os obrigarem a retirar-se para o Norte da Nova Gales do Sul. Aí, o artista outrora famoso vê-se reduzido a ser o caseiro do seu principal coleccionador e a tomar conta do seu irmão errático. Mas numa noite de tempestade surge a misteriosa Marlene, calçando um par de Manolo Blahniks. Ao afirmar que o amigo e vizinho dos dois irmãos tem um Jacques Leibovitz autêntico, não tarda a desencadear uma série de acontecimentos que podem levá-los ao triunfo ou à ruína.
Peter Carey é um dos mais importantes escritores de língua inglesa. É autor de nove romances, incluindo dois vencedores do Booker Prize, editados em Portugal pela Dom Quixote –Oscar e Lucinda e A Verdadeira História do Bando de Ned Kelly – tendo sido também atribuído a este último o Commonwealth Writers Prize de 2001, e de duas obras não ficcionais. Nascido na Austrália, em 1943, vive actualmente em Nova Iorque.


A primeira votação foi muito renhida tendo cinco (5!) livros ficado empatados:
- No teu deserto
- pack Cartas Inéditas de Fradique Mendes + Nação Crioula
- As mulheres do meu pai
- Vasto mar de sargaços
- Roubo: uma história de amor

Na segunda votação resolveu-se o impasse: a nossa próxima leitura é As mulheres do meu pai, de José Eduardo Agualusa. Boa leitura!