Escrever um romance, disse eu um dia, é como montar a cadeia das montanhas de Edom com cubos de Lego. Ou como pôr de pé Paris inteira, com os seus edifícios, as suas praças, alamedas, torres e bairros até ao último banco de rua, com fósforos e partes de fósforos colados.
Para escrever um romance com oitocentas mil palavras é preciso tomar um milhão de decisões. Não apenas sobre o enredo, sobre quem fica vivo e quem morre, quem ama ou quem engana, quem será rico ou quem ficará pobre, quais serão os nomes das personagens, como serão os seus rostos, os seus hábitos e as suas ocupações, ou como dividir o livro em capítulos, qual o nome do livro (estas são as decisões simples, as mais gerais); não apenas o que se deve contar ou omitir, o que deve vir antes ou depois, e o que se deve revelar explicitamente ou apenas por alusão (estas também são decisões bastante fáceis), mas também tomar uma infinidade de decisões subtis, como por exemplo, se ali, no final da terceira frase, se deve dizer azul ou azulado? Ou será azul-celeste? Ou antes azul-claro? Ou talvez azul-escuro? Provavelmente o melhor é azul acinzentado? E este azul acinzentado é melhor colocá-lo no início da frase? Ou no final? E se for no meio? Ou transformá-lo numa frase independente muito breve, com um ponto atrás e outro à frente? E não será melhor que esse matiz entre no fluir de uma frase complexa, com muitas subordinadas? Se calhar mais vale escrever simplesmente as três palavras “luz do entardecer” sem a colorir de azul acinzentado, de azul cinza, ou de outra coisa qualquer?
Amos Oz, Uma História de Amor e Trevas, Porto: Asa Editores, 2007, pp. 330-1.
quarta-feira, 30 de abril de 2008
Os matizes da escrita
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