"Que fazemos nós metidos nestes corpos", disse o homem preparando-se para se deitar na cama ao lado da minha.
(...)
"Se calhar viajamos dentro deles", disse eu.
Devia ter passado algum tempo depois daquela sua primeira frase, eu perdera-me entretanto em remotas cogitações: alguns minutos de sono, talvez. Estava muito cansado.
Perguntou: "Que foi que disse?"
"Referia-me aos corpos", disse eu, "talvez sejam uma espécie de malas, transportamo-nos a nós próprios."
(...)
"Suponho que não voltaremos a ter oportunidade de nos encontrarmos sob a aparência com que nos conhecemos, esta nossa espécie de malas. Desejo-lhe boa viagem."
"Boa viagem também para si", respondi.
Antonio Tabucchi, Nocturno Indiano
Estamos dez minutos ou vinte, ou meia hora, a olhar para aqueles homens e para aquelas mulheres que têm os olhos fixos na fogueira em que arde o seu defunto; e por fim compreendemos que esta indiferença tão estóica não é a da insensibilidade e da frieza, mas sim a da religião, que considera a morte uma simples mudança de vestuário ou de invólucro. Naquela fogueira, de acordo com uma frase notória, não se consome uma pessoa única e irrepetível, mas sim um vestido coçado, que já não prestava, uma pele velha que se abandona por outra nova.
Alberto Moravia, Uma ideia da Índia
sexta-feira, 29 de maio de 2009
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