terça-feira, 26 de abril de 2005

Penso que para compreender a “Cassandra” da Christa Wolf convém ter algum conhecimento sobre o mito da Cassandra. Assim, transcrevo aqui a respectiva entrada do meu dicionário de mitologia grega:

Cassandra é filha de Príamo e de Hécuba, e irmã gémea de Heleno. Quando eles nasceram, Príamo e Hécuba deram uma festa no templo de Apolo Timbreu, situado fora de portas, a uma certa distância de Tróia. À tarde, partiram, esquecendo-se das crianças, que passaram a noite no santuário. Na manhã do dia seguinte, quando foram procurá-las, encontraram-nas a dormir, enquanto duas serpentes lhe passavam a língua pelos órgãos dos sentidos, para os “purificar”. Assustados com os gritos dos pais, os animais afastaram-se para os loureiros sagrados que ali havia. Posteriormente, as crianças revelaram o dom da profecia, que lhes tinha sido comunicado pela “purificação” das serpentes.

Outra lenda conta como Cassandra obteve do próprio Apolo o dom da profecia. O deus, enamorado dela, tinha-lhe prometido que lhe ensinaria a adivinhar o futuro, se ela cedesse aos seus desejos. Cassandra aceitou a proposta e recebeu as lições do deus, mas, uma vez ensinada, esquivou-se. Então, Apolo cuspiu-lhe na boca, retirando-lhe, não o dom da profecia, mas sim o da persuasão.

Conta-se, geralmente, que Cassandra era uma profetiza “inspirada”, como a Pítia ou a Sibila. O deus apossava-se dela e ela, em delírio, proferia os seus oráculos. Heleno, pelo contrário, interpretava o futuro pelo meio das aves e de sinais exteriores.

Mencionam-se profecias de Cassandra em cada um dos momentos importantes da história de Tróia: aquando da vinda de Páris, ela predisse que o jovem (que então ainda não era conhecido pela sua verdadeira identidade) havia de trazer a ruína à cidade. Estava Cassandra quase a conseguir que ele fosse executado, quando reconheceu que era filho de Príamo, o que lhe salvou a vida. Mais tarde, quando Páris regressou a Tróia com Helena, ela predisse que este rapto provocaria a perda da cidade. Mas ninguém acreditou nela, como sempre acontecia. Foi ela a primeira a saber, após a morte de Heitor e a embaixada de Príamo a Aquiles, que Príamo voltava com o corpo do filho. Cassandra, apoiada pelo divino Laocoonte, opôs-se com todas as forças à proposta de introduzir na cidade o cavalo de madeira que os Gregos tinham deixado na praia quando fingiram partir, dizendo que esse cavalo estava cheio de guerreiros armados. Mas Apolo enviou serpentes que devoraram Laocoonte e seus filhos, e ninguém fez caso da advertência de Cassandra. Atribui-se-lhe também um certo número de profecias acerca da sorte que esperava os troianos feitos prisioneiros após a queda da cidade e acerca do futuro destino da raça de Eneias.

Durante o saque de Tróia, refugiou-se no templo de Atena, onde foi perseguida por Ájax Locrense. Cassandra agarrou-se à estátua da deusa, mas Ájax arrancou-a de lá, fazendo oscilar a estátua na peanha, enquanto ela erguia os olhos ao céu. Perante tal sacrilégio, os Gregos prepararam-se para lapidar Ájax, mas ele escapa, refugiando-se no altar da deusa que acaba de ofender.

Na distribuição do saque, Cassandra foi dada a Agamémnon, que se deixou tomar de um amor violento por ela. Cassandra tinha permanecido virgem até então, embora não lhe tivessem faltado pretendentes, nomeadamente Otrioneu, o qual prometera a Príamo livrá-lo dos Gregos se, depois da vitória, lhe desse em recompensa a mão de sua filha. Mas Otrioneu foi morto por Idomeneu.

Cassandra teria dado a Agamémnon dois gémeos, Telédamo e Pélops. Ao regressar a Micenas, Agamémnon foi assassinado pela mulher, que ao mesmo tempo matou Cassandra, de quem tinha ciúmes. Em certas versões do assassínio de Agamémnon, a única causa da sua morte é o amor que ele tem por Cassandra.

In Pierre Grimal, “Dicionário da Mitologia Grega e Romana”, Lisboa: Difel, 1992, pp. 76-7

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