sábado, 30 de abril de 2005

Ontem fui ouvir o Paul Auster. Foi uma agradável surpresa o elevadíssimo interesse do público pelo evento. Quando lá chegámos, por volta das 8:30, 8:40, já uma fila monstruosa quase rodeava o edifício. Persistimos, sempre na contigência de "morrer na praia" e acabarem-se os bilhetes algures à nossa frente. Estava inicialmente previsto para a sala 2 mas acabou por encher todo o grande auditório e, consta que ainda muita gente assistiu à conversa no foyeur, através de ecrãs. Estava curiosa para conhecer o autor mas, devo reconhecê-lo, algo receosa que me desiludisse o homem e me toldasse o prazer da leitura dos seus livros. Afinal esse medo era infundado. Gostei da personagem, o típico nova iorquino, vestido de escuro, algo lacónico, uma voz grave e musical (tão bonita como a sua escrita, diz a Angela). Começou por ler alguns excertos do "Oracle Night", intercalados pela leitura dos mesmos na tradução portuguesa pela escritora Luísa Costa Gomes, pelos vistos uma das grandes amigas portuguesas de Paul Auster (o outro é o produtor, distribuidor e exibidor de cinema Paulo Branco).

Seguiram-se perguntas do público respondidas por ele. Foi interessante, não houve perguntas idiotas, toda a gente se safou lindamente em inglês, e ele foi respondendo, umas vezes de forma mais lacónica do que outras. Foi colocada a questão que algumas de vocês me tinham pedido para fazer: se ele não pretendia algum dia dar um seguimento à história de Sidney Orr e tirá-lo da cave onde ficou encerrado. Respondeu que não, que essa história estava terminada, que ele próprio era um escritor muito diferente do Sidney, e que se este tinha terminado a sua existência fechado na cave era um problema dele e não do Paul Auster.

Outro interveniente colocou-lhe uma pergunta bastante elaborada e que, resumidamente, se tratava de saber se Paul Auster se considerava um escritor existencialista ou pós-modernista. Foi divertido, porque ficou um pouco engasgado com a pergunta. Admitiu com humor não saber o que é um pós-modernista (e quem sabe?...) e acabou por definir os seus romances como "moral adventure stories", classificação que achei muito curiosa.

Uma senhora, com a humildade que costuma caracterizar-nos (na qual me reconheço), simplesmente agradeceu a Paul Auster pelo prazer que os seus livros lhe tinham proporcionado. Foi um momento bonito e que deu azo talvez à mais mais sentida e sensível resposta do autor. Disse Paul Auster que um romance constitui o único sítio onde dois estranhos (escritor e leitor) se podem encontrar de forma absolutamente íntima ("a novel is the only place where two strangers can meet on absolutely intimate terms."). E ainda que o que mais o fascinava na sua profissão de escrever livros era um sentido interno de comunicação com outra alma ("an internal sense of communication with another soul"). Isto porque considera que um livro constitui sempre um acto íntimo de comunicação entre duas pessoas específicas, autor e leitor. Por muitos milhares de pessoas que leiam um livro, em cada acto isolado de leitura, os intervenientes nesse processo de comunicação são sempre e apenas dois ("one person reading another person's words").


E, by the way, sim, está bastante mais envelhecido do que na fotografia que surge nas contracapas dos seus livros há decadas, mas ainda assim um senhor muito distinto para os seus 57 ou 58 anos!

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