Discussão de "Middlesex", de Jeffrey Eugenides
A maioria das presentes considerou que o livro podia facilmente ser dividido em dois volumes: a história de Desdemona e Lefty; e a história de Cal. Ficou uma certa frustração pela forma como algumas personagens são “deixadas cair”, por uma questão de economia narrativa. Considerámos que algumas personagens secundárias mereciam ter sido mais desenvolvidas, porque eram suficientemente interessantes para tal, mas que não houve oportunidade. Entre essas personagens foram mencionados Lefty, Sourmelina, Jimmy Zizmo ou Chapter Eleven (estranho nome... questionámo-nos sobre o seu significado).
Foi discutida a pertinência do título do livro – Middlesex – e o facto de ser esse o nome da casa onde residia a família. A Jennifer sugeriu que a própria arquitectura da casa tinha relação com o tema do livro – um segredo de família bem guardado – na medida em que, as paredes de vidro da casa apenas aparentemente davam a sensação de transparência e de não haver nada a esconder, mas no fundo permitiam uma miríade de perspectivas distintas. A Cristina aventou a hipótese da casa simbolizar a fusão dos dois temas principais da obra - o limbo entre dois sexos e o limbo entre duas culturas. De facto, um e outro tema estão profundamente conectados. A casa – Middlesex – constituía o espaço em que a família se aculturou, pelo próprio bairro em que se situava, Grosse Pointe, apesar de ainda algo marginal a ele, pela sua arquitectura extremamente moderna, e pelos acontecimentos que nela tiveram lugar. Paradigmático dessa simbologia da casa é o facto da única personagem que nega frontalmente a aculturação – Desdemona – habitar na casa um espaço à parte, exterior à mesma.
A Jennifer comentou que o livro retrata com muita fidelidade o que se passa com as famílias que emigram para os Estados Unidos no que diz respeito à atitude face à cultura norte-americana das primeiras, segundas e terceiras gerações. A primeira geração mantém-se, regra geral, extremamente vinculada à cultura de origem, rejeitando a cultura do país de acolhimento. A segunda geração vive dividida entre as duas culturas, mantendo traços marcados da de origem, mas aceitando plenamente a do país de acolhimento. A terceira geração já pouco tem a ver com o país de origem, já pouco ou nada fala da língua, tem uma imagem muito difusa do país e sente-se já quase totalmente americana. O livro levanta a questão da “etnicidade” nunca completamente perdida destas gerações de descendentes de imigrantes relativamente a uma elite de WASPs (white anglo-saxonic protestants). É este tipo de discriminação que Callie sofre na pele no colégio para raparigas.
Discutiu-se a questão do sexo versus género, sendo que sexo é uma característica biológica e género cultural e até que ponto é que uma ou outra são mais determinantes para a formação da personalidade. E também até que ponto é que o sexo define de forma muito vincada a personalidade ou se existem homens com um lado feminino muito desenvolvido e vice-versa.
Também foi discutida a qualidade cinematográfica da obra e até que ponto é que poderá ser transformada num bom filme. A Guida opinou que, dado ao sucesso alcançado pelo filme “As Virgens Suicidas”, baseado no primeiro romance de Eugenides, este poderá já ter sido escrito à partida a pensar numa adaptação cinematográfica.
A inclusão na obra de factos históricos como a guerra da Grécia e da Turquia, a Segunda Guerra Mundial ou os incidentes raciais em Detroit foram do agrado das leitoras, pois, para além da relevância das informações, estas conferem à obra uma aura de verosimilhança. No seguimento deste comentário discutiu-se até que ponto é que esta obra pode ser auto-biográfica.
O narrador, Cal, faz referência a uma qualidade circular inatamente feminina na sua escrita. Algumas pessoas opinaram que não, que a obra não continha essa qualidade (a discussão surgiu também na sequência das reflexões presentes no livro anteriormente discutido – A Louca da Casa - sobre a existência ou não de uma escrita caracteristicamente feminina), e que a forma como eram incluídos alguns flashforwards e flashbacks era um pouco desastrada. Algumas leitoras consideraram as referências ao presente do narrador irrelevantes e que cortavam, de certa forma, a fluidez da acção.
Algumas leitoras consideraram a atitude de Cal, ao fugir dos pais e do médico, de certa forma inconsistente com o perfil da personagem.
Foi discutido o papel desempenhado pelo destino na vida das personagens e considerou-se que sempre que houve uma tentativa voluntária de manipular o destino as consequências foram graves: Milton e Tessie tentam ter uma palavra a dizer no sexo do seu segundo filho e, apesar de terem sido aparentemente bem sucedidos, o tempo se encarregará de repor as leis naturais.
No geral, a opinião do livro foi positiva, todas concordaram que era uma leitura agradável e fluida. Algumas manifestaram, porém, a opinião de que lhe faltava alguma consistência, nomeadamente no plano da qualidade da escrita ou da estrutura narrativa. Considerou-se que parte de uma muito boa ideia, que tem pequenos apontamentos muito bem conseguidos, algumas personagens muito cativantes, mas que falta alguma coisa para poder ser considerado um grande livro.
segunda-feira, 21 de junho de 2004
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Jeffrey Eugenides
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