quinta-feira, 24 de junho de 2004

Aqui transcrevo uma entrevista ao Agualusa, publicada no Jornal de Notícias:


Ana Vitória

"O vendedor de passados" é a mais recente obra de José Eduardo Agualusa, uma sátira feroz, mas divertida, à actual sociedade angolana. Mas é sobretudo uma reflexão sobre a construção da memória e os seus equívocos. Félix Ventura, o inventor de trajectos familiares para quem os procura diferentes, prefere que lhe chamem genealogista. E por isso "costura a realidade com a ficção".


[Jornal de Notícias]Como surgiu a história de "O vendedor de passados"?


[José Eduardo Agualusa]Os meus personagens transitam muito de uns contos para os outros, de uns romances para os outros, dos contos para os romances... Gosto de pensar no conjunto dos meus livros como realmente sendo um só livro. "O vendedor de passados" partiu de dois contos/crónicas que surgiram primeiro num jornal.


Félix Ventura, o tal vendedor de passados, tem alguma coisa a ver com o José Eduardo Agualusa?

Talvez tenha um pouquinho de mim, até porque é um homem apaixonado por livros, pela língua portuguesa. Um homem que gosta de utilizar arcaísmos.


Está a querer dizer que gostaria de escrever sobre passados?

Tambem gostaria, por exemplo, de escrever "autobiografias" de pessoas, porque há histórias extraordinárias. Não me importaria de trabalhar como escritor fantasma.


As vidas que há nos seus livros resultam de pesquisa?

Este livro é um um pouco diferente dos que escrevi até agora, não me exigiu muita pesquisa. O narrador é uma reencarnação de Jorge Luís Borges, o que poderá escapar a algumas pessoas. As passagens que ele recorda da sua vida anterior são da biografia de Borges, que romanceei um pouco .


Por que escolheu a osga para narrador?

É uma pequena vingança sobre o Borges, é um pequeno jogo. E depois porque acho a osga um bicho simpático. Recorda-me a minha infância e, sobretudo, as minhas férias. Sou do Huambo, vivi lá, mas passava as férias grandes em Benguela que tinha muitas osgas. Para mim, representavam as minhas férias, assim como associo as galinhas à tranquilidade. As galinhas aparecem em todos os meus livros, gosto muito delas.


E as outras personagens?

Este livro era para se ter chamado "Pura ficção". De todos os meus livros é aquele que surge apenas de dentro de mim. Tem temas que remetem para a história recente de Angola, mas os personagens, de uma forma geral, não são baseados em personagens reais.


Que distinção faz, se a faz, entre a escrita chamada jornalística e a chamada literária?

Acho que tudo o que faço está ligado. Por isso, gosto de fazer com que as personagens transitem das crónicas para os contos ou para os romances. Evidentemente, o jornalismo exige rigor e respeito por uma série de normas. O escritor começa onde o jornalista termina.


Lisboa ainda não é a sua cidade, como disse numa entrevista?

Transcreveram o que eu disse, não o que queria dizer. Lisboa sempre foi realmente uma cidade importante, neste meu percurso. Para mim, é uma cidade de abrigo. Enquanto escritor, devo tudo o que sou a Portugal e , em particular, a Lisboa.


O que é, para si, a lusofonia?

É algo que ultrapassa a língua. Inclui muitas outras referências que têm que ver com formas de sentir o Mundo, com a própria história comum de todos os países que falam Português ou onde se fala Português. Também tem que ver com a culinária, costumo dizer que a lusofonia é um pouco uma "comunidade do bacalhau".

Angola é alvo das críticas de José Eduardo Agualusa no seu livro, "O vendedor de passados"

Lusofonia é um pouco a comunidade do bacalhau


O narrador é uma reencarnação de Jorge Luís Borges


Virgindade em leilão A produtora de Madonna quer realizar um filme sobre um leilão bastante particular

Perfil

José Eduardo Agualusa

Escritor

Nascido em Huambo, Angola, em Dezembro de 1960, José Eduardo Agualusa interessou-se por bichos desde criança. Numa altura da sua infância quis ser veterinário. Não o foi, mas estudou Agronomia e Silvicultura. Escolheu, finalmente, ser jornalista e escritor. Do sonho de infância ficou-lhe o amor pelos animais. As preferências vão para as galinhas, ave que, invariavelmente, povoa todos os seus livros. Também no mais recente, "O vendedor de passados", o escritor fez com que o personagem Félix Ventura falasse destas aves.

O autor de "Estação das chuvas" (1997), "Nação crioula" (1998 Grande Prémio de Literatura RTP) "Um estranho em Goa "(2000), "O ano em que o zumbi tomou o rio" (2002) e "Catálogo de sombras" (2003) tem também uma estreia na escrita para crianças ,"Estranhos e bizarrosos".

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