Gostei mesmo muito de Gente Independente… Eu sei que é duro, por vezes mesmo brutal, na forma como retrata aquelas gentes camponesas da Islândia, mas nunca perde a poesia, nem mesmo o sentido de humor. O livro conta a história de um camponês, desde o momento em que finalmente consegue comprar uma fazenda, após muitos anos a trabalhar para terceiros, até ao tempo em que a perde, em parte devido à sua própria obstinação, e é forçado a começar de novo. Ao longo do período de cerca de vinte anos ele perde duas mulheres, vários filhos (uns para a morte, outros para a emigração), as suas ovelhas (e esta perda não é inferior para esta personagem às anteriores mencionadas), as vacas, o amor da sua vida.
A sua principal característica é um incomensurável amor à independência, que valoriza acima de tudo o resto, incluindo o seu bem-estar e o da sua família. E ainda que possa ser enervante, e por vezes mesmo execrável, há algo nele que me agrada imenso: a sua resiliência, a sua atitude perante as adversidades. Esta personagem acredita que não vale a pena chorar alguma coisa que se tenha perdido. Enquanto houver um último fôlego dentro de cada um de nós, a única direcção para onde olhar é para a frente. Toda a história é uma importante lição em como não tomar as coisas como garantidas.
Vivemos numa sociedade onde o mais importante é “alcançar” objectivos e adquirir coisas. Mas custa-nos muito lidar com a perda de algo que considerávamos nosso para sempre, uma vez “adquirido”. Passamos toda a nossa vida tentando “chegar” a algum lado, e angustiamo-nos tentando manter aquilo que fomos arrecadando ao longo da vida. Esquecemo-nos de viver. Esta projecção para os nossos objectivos futuros, combinada com a nostalgia daquilo que tivemos um dia, incapacita-nos para viver o presente.
A mesma voracidade de “adquirir” está presente na forma como a maior parte das pessoas viaja (e não me vou colocar de fora, pois acabo, na maior parte das vezes, por fazer a mesmíssima coisa que critico aqui). Fazemos listas de tudo o que queremos ver e queremos fazer lá fora e, uma vez nos nossos destinos, tudo o que fazemos é ir riscando os vários itens da nossa lista. Consideramos as nossas viagens tão mais bem sucedidas quanto mais conseguimos fazer e ver daquilo que nos propusemos ainda antes de embarcarmos na viagem. A mentalidade do “been there, done it” impede-nos de realmente apreciar o que fazemos, uma, duas, três, e de cada vez que as fazemos. Não há um limite de vezes para apreciar, por exemplo, um pôr-do-sol sobre o oceano, um passeio ao longo do Sena em Paris, o verde do campo na Inglaterra, a beleza de um quadro do Klimt num museu de Viena. Tal como relemos sempre com o mesmo prazer um poema especial de Fernando Pessoa, ou ouvimos uma, outra e as vezes que nos apetecer uma música que nos entrou no ouvido.
E, no entanto, quando viajamos, procuramos sempre o que é novo, aquilo que nunca vimos, procuramos acrescentar mais um item à nossa lista de experiências, de conhecimento. Esquecemo-nos que o principal é retirar prazer do processo e deixarmo-nos surpreender por aquilo / aqueles que encontramos. Claro que as viagens sempre foram vistas como metáforas da vida, daí a importância colocada pelo Taoísmo no caminho por ele próprio, em oposição ao local onde nos leva. Estou, obviamente, já longe de Laxness, e longe de mim propor uma leitura taoista da obra deste autor. Mas é normal em mim ser transportada para outras paragens quando leio um livro, ou vejo um filme, ou o que quer que seja… Agora mal posso esperar por embarcar numa viagem a Israel!