Andava a magicar num livro, num título capaz de convencer o meu filho Afonso, de 13 anos, a ler nas férias. Tinha que o obrigar a ler, mas de forma que ele não percebesse que estava de facto a ser obrigado, porque isso seria o pretexto ideal para ele, educadamente, me mandar limpar o pó aos livros. Era necessário que fosse um bom livro. De um autor consagrado, reconhecido quase unanimemente, como um livro que se pega e não se larga mais até àquela palavrinha de três letras que costuma aparecer no fim dos filmes. Fiz um exercício de memória, tentando lembrar-me de títulos que tivesse lido, mais ou menos com a idade dele, e impressionado o suficiente para terem ficado apontados numa lista de livros que um dia, eventualmente, releria. Rapidamente me veio à memória, por exemplo: A Ilha do Tesouro, de Stevenson, Miguel Strogoff, de Júlio Verne, Tom Sawyer e O Príncipe e o Pobre, de Mark Twain, O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, Capitães da Areia, de Jorge Amado. Porém, nenhum destes foi o escolhido. Deveria ser mais actual, ter alguma coisa a ver com a personalidade do meu filho. Lembrei-me, imediatamente, do O Deus das Moscas, de William Golding, por causa da personagem principal o Ralph. É um livro publicado originalmente em 1954 e que nos conta a história de um grupo de rapazes, únicos sobreviventes entre os passageiros de um avião que se despenha numa ilha deserta. Inicialmente, desfrutam de liberdade total, festejando a ausência de adultos. Para sobreviver unem forças, cooperando na procura de alimentos, na construção de abrigos e na manutenção de sinais de fogo. A supervisioná-los está Ralph, um jovem corajoso e o seu amigo, gorducho e esperto, Piggy. Apesar de Ralph tentar impor a ordem e delegar responsabilidades, muitos dos rapazes preferem celebrar a ausência de adultos nadando, brincando ou caçando a grande população de porcos selvagens que habita a ilha. O mais feroz adversário de Ralph é Jack, o líder dos caçadores, que consegue arrastar consigo a maioria dos rapazes. No entanto, à medida que o tempo passa, o frágil sentido de ordem desmorona-se. Os seus medos alcançam um significado sinistro e primitivo, até Ralph descobrir que ele e Piggy se tornaram nos alvos de caça dos restantes rapazes, embriagados pela sensação aparente de poder. Quarenta e cinco minutos depois: - Olá pai! - Humm… Balbuciei eu, numa espécie de resposta, sem tirar os olhos do livro. - Estás a ler um livro diferente do de ontem? - Humm… - Que livro é que estás a ler? - Humm, sim… O Deus das Moscas. - Não me digas que esse é um dos livros que queres, há montes de tempo, que eu leia? Nem penses! Sem me aperceber da provocação, respondi. - Humm… sim, sim é este. - E qual é a história? Contrariado, fiz-lhe a sinopse mais curta que pude e que acabava com a frase: «numa ilha deserta, sem a supervisão dos adultos». Ouvindo as palavras mágicas, o meu filho diz: - Sem adultos!? Parece fixe… dá-me aí o livro! Irritado por me estar a interromper a leitura, sem reflectir, respondi torto: - Não, não me chateies, agora estou eu a lê-lo! - Ok, tchau! Disse-me ele. Tomando consciência da estupidez que tinha acabado de cometer, pensei para com os botões da minha camisa, que por acaso era uma t-shirt:«estive tão perto». Encolhi os ombros e continuei a ler deliciado. Jaime BulhosaLi isto dum dos meus blogs preferidos e não resisti em partilhar convosco...
Levei-o para casa. Aproveitando o facto de ter chegado mais cedo que o meu filho, comecei a ler as primeiras páginas, de forma a refrescar a minha memória, com o intuito de, mais tarde, lhe fazer um resumo convincente.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
etiquetas:
letras sobre letras
Subscrever:
Mensagens (Atom)